Séries de TV devem ser assistidas num
momento de lazer, sem preocupação, sem expectativas, quando não se tem nada pra
fazer, mesmo aquelas consideradas de alta qualidade, com tramas complicadas e
entrelaçadas, em que um episódio puxa o outro. Digo isso porque ao ir com sede
ao poço ver uma série, o poço pode secar, e você pode levar um tempão até que
consiga sequer ouvir o nome da série. Digo isso porque o chamado
binge-whatching, a tal maratona, em que se tem uma overdose de uma série acaba
fazendo com que você se afaste dela, depois de tantas horas assistidas
exaustivamente. É um tiro que sai pela culatra. Por esse motivo que, deixar as
séries para serem assistidas quando não se tem nada pra fazer é a melhor
estratégia, e que te manterá sempre de bem com as suas séries favoritas.
quarta-feira, 31 de agosto de 2016
domingo, 28 de agosto de 2016
Estréia de técnico e necessidade de vitória
Logo mais a Portuguesa entra em campo para
enfrentar o Guarani lá em Campinas, no Brinco de Ouro da Princesa. No primeiro
turno da série C o resultado foi um empate sem gols. Os jogadores da Lusa eram
outros, a situação era outra. Se naquele momento os dois clubes, de tradição -
que não deveriam estar disputando uma terceira divisão do campeonato brasileiro
- tinham chances de lutar para conseguir uma vaga e disputar o acesso eram
praticamente as mesmas (apesar do 0 a 5 do Botafogo-SP no Canindé), agora o Bugre
joga para se manter na liderança, enquanto a Lusa amarga a zona de rebaixamento
à série D.
Em sua pior temporada desde a fundação, a Portuguesa precisa mais do que nunca uma vitória. Fazendo 14 pontos, sai da zona de rebaixamento (o Macaé com 12, perdeu ontem) e respira. O novo técnico, Márcio Ribeiro, que assumiu o clube após a saída de Jorginho, tem essa pancada logo de primeira. Infelizmente, independente de como correr o jogo dessa noite, os próximos jogos dos dois clubes que estão na luta para não cair (Portuguesa e Macaé) são parecidos em termos de dificuldade. E muita, afinal os dois times, mesmo jogando com o praticamente rebaixado Guaratinguetá, os outros dois são clubes que estão buscando uma vaga no G-4.
Após o jogo dessa noite, publicarei outra nota, com o resultado.
Em sua pior temporada desde a fundação, a Portuguesa precisa mais do que nunca uma vitória. Fazendo 14 pontos, sai da zona de rebaixamento (o Macaé com 12, perdeu ontem) e respira. O novo técnico, Márcio Ribeiro, que assumiu o clube após a saída de Jorginho, tem essa pancada logo de primeira. Infelizmente, independente de como correr o jogo dessa noite, os próximos jogos dos dois clubes que estão na luta para não cair (Portuguesa e Macaé) são parecidos em termos de dificuldade. E muita, afinal os dois times, mesmo jogando com o praticamente rebaixado Guaratinguetá, os outros dois são clubes que estão buscando uma vaga no G-4.
Após o jogo dessa noite, publicarei outra nota, com o resultado.
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
A segunda metade
A
mulher estava sentada em uma cadeira de praia debaixo de um guarda-sol. Usava
óculos escuros e lia um romance.
Apareceu
um homem em sua frente e começou a encará-la.
-
Posso ajudar?
Ele
continuou encarando.
De
repente ele pegou o livro de suas mãos.
- Por
que você fica aí, enfurnada nesse livro, de óculos escuros e chapéus de palha,
longe de tudo e de todos quando estamos todos aqui, querendo um pouquinho de
conexão humana? Por quê?
Ela
ficou assustada. Levantou-se e tentou pegar o livro da mão do desconhecido.
- Mas
que... Me dá isso aqui!
- Vai
ler no banheiro, que é quando não tem ninguém, só você e a privada. É o que eu
faço. É o que toda pessoa em sã consciência deveria fazer.
Ele
teve um acesso de raiva. Rasgou o livro em dois. Atirou uma metade no mar.
Jogou outra para cima, que caiu em cima de sua cabeça.
O
homem desmoronou no chão com o impacto da metade do livro em sua cabeça.
Começou a gritar e chorar no chão. A mulher ficou sem reação. Não sabia se
fugia por conta das outras pessoas que agora estavam olhando para eles e
aglomerando-se para ver o que estava acontecendo, se tentava ajudá-lo a se
levantar ou se gritava com ele por ter rasgado seu livro.
-
Moço? Moço, você tá bem?
Ele
estava agora só chorando. Parara de gritar e espernear.
Muito
lentamente ele se levantou enxugando os olhos. Virou-se para a mulher com um
olhar triste. Começou a chorar de novo.
-
Fala alguma coisa que eu possa fazer, pelo amor de Deus.
-
Nada, não tem nada.
As
pessoas começaram a se dispersar.
- O
Joca morre no final – disse e deu uma baita de uma risada.
Virou-se
e começou a correr.
-
Filho da puta! Vem aqui que você vai ver! – ela começou a correr atrás do
desgraçado, mas ele era muito rápido e ela se cansou logo.
Voltou
para seu guarda-sol. Pegou a metade do livro que estava na areia. Era a segunda
metade. Já tinha lido a primeira. Pelo menos isso.
Forte
“Então, é
aquilo que eu estava te dizendo, cara... Dor é para os fracos. Quebrei a perna
duas vezes, mas estou aí...”
O outro
olha para ele e diz:
“Pois, é.
Você é forte, e eu sou fraco. Sabe por quê? Porque eu fujo da dor”, dá um
sorriso amarelo. “Parabéns, fortão! Se quebra todo, mas continua aí, firme e
forte.”
O primeiro
faz cara feia.
“Idiota”,
diz baixinho.
Eles voltam a comer.
Banco de parque
“Sabe, tenho lido algumas matérias e
tem muita gente dizendo que não aguenta mais lerem livros em que o narrador faz
perguntas ao leitor, ou quando brinca com o texto, ou usa figuras de linguagem
demais.”
“Realmente! E não é só com os livros
que isso acontece, dizem que no cinema tem adaptações demais, que o filme é
sempre ruim, o original é melhor, e isso, e aquilo outro... Por que não vão
pra...”
“Não, não, não, não! O pior é que tem
que comentar em todas as redes sociais possíveis, falar pra Deus e o mundo que
não gostaram do que leram ou ouviram ou assistiram.”
“Agora me responde uma coisa, quem
mandou ficar lendo ou assistindo? Será que o autor tinha um porrete do lado e
ficava repetindo: ‘Leia! Vai, continua a ler! Vamos!’ É um absurdo!”
“Parece que preferem passar o tempo
criticando aquilo que não gostaram do que apreciando o que gostam.”
“É!”
“É!”
Os dois finalmente perceberam que
estavam falando alto, até esbravejando. Então um sussurrou ao outro, quando as
pessoas que estavam olhando assustadas começavam a retornar ao que estavam
fazendo.
“Acho somos nós é que estamos fazendo
isso, não é?”
“Pior...”
Ficaram em silêncio por alguns minutos
focados em seus cafés. Depois retornaram a conversa.
“Mas e então, como foi o fim de semana?”
“Nossa... Horrível! Minha sogra apareceu e aí...”
Controle
Foi Vicente que disse isso a Hugo. Os
dois eram colegas de quarto em um apartamento minúsculo em São Paulo. Não saiam
muito e todos os dias acabavam caindo no buraco negro que era a caixa mágica –
eles ainda não tinham dinheiro para comprar uma TV de LCD.
“Tá, mas o que você quer fazer? Jogar
dama, xadrez...”
“A gente pode jogar baralho.”
“Não dá, tá faltando cartas. A minha
sobrinha comeu.”
“Comeu?”
“Comeu, jogou da janela, sei lá...”
Os dois ficaram em silêncio, pensando
no que fazer.
“E se...”
“Não...”
“É, você está certo...”
Hugo levantou-se em direção à cozinha
pegar uma cerveja.
“Fica aí pensando, camarada.”
“Traz uma pra mim também.”
Hugo fez cara feia, mas Vicente não
viu. Estava encarando o nada pensando em algo a fazer. Com as cervejas em mãos,
os dois as abriram.
“Vamos conversar”, disse Vicente,
inocente.
“Simples assim, só conversar?”
“É.”
Hugo deu um baita gole e pegou o
controle.
“Mas...”
“Cala a boca, Vicente.”
Treze anos!
“Ai, meu Deus! Denilson!”
“Nossa. José! Quanto tempo?”
“Pois é, pois é...”
“Deixa eu ver... A gente se formou em
2003... Treze anos!”
“Caramba!”
“Como o tempo passa...”
“É...”
“Pois é...”
...
“Como tem passado?”
“Tudo certo. E você?”
“Tudo bem também. Trabalhando?”
“Nah,
tô desempregado agora.”
“Humm...
Sinto muito.”
“Mas está tudo bem, daqui a pouco
aparece alguma coisa.”
“Hã... Soube que casou.”
“Sim, sim, mas já me divorciei.”
“Putz, cara...”
“Deixa pra lá.”
“Ainda torce pro Verdão?”
“Opa, sempre.”
“É isso aí. Mas botaram um técnico ruim
pra caramba.”
“Mas é temporário, daqui a pouco voltam
com aquele outro... Qual é o nome mesmo..?”
“Ah, sei qual você tá falando... Também
esqueci...”
“Aquele lá era bom.”
“Mas foi lá pra China ganhar dinheiro.”
“Como se não ganhasse bem aqui...”
“Humm...”
“Bom, deixa eu ir.”
“Opa. É, eu também já vou indo.”
“Vamos marcar um dia qualquer...”
“Vamos sim. Deixa eu marcar o meu
número, é que eu troquei de celular... Aqui, pode me ligar qualquer hora.”
“O meu é o mesmo daquela época.”
“Ah, então eu tenho.”
“Então tá, a gente se fala.”
Os dois se apertam as mãos.
“Falou.”
“Falou.”
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
O chá
“Ah, foi bom.”
“Foi?”
“É, foi...”
“O quê, não foi tudo aquilo que você
esperava?”
“Foi sim. Eu fui até lá, escalei a
montanha, encontrei as folhas para fazer o chá, perto da casinha, que nem me
disseram, mas...”
“O chá não era grande coisa?”
“É, acho que não.”
Silêncio.
“Sabe o que aconteceu?”
“O quê?”
“Você criou muita expectativa. Criou
todo um gosto particular na sua cabeça que nunca seria batido por qualquer
coisa que você tomasse, seja aquele chá ou outro.”
“Será?”
“Ah, sim. Com certeza.”
Outro silêncio.
“Você sabe que eu fui lá também, não
sabe?”
“É mesmo?”
“Sim, eu fui. Só que não me disseram
que seria a melhor coisa que eu experimentaria na vida.”
“É, foi o que me disseram.”
“Pois é...”
Silêncio de novo.
“Mas a vista lá de cima é linda, não é?”
terça-feira, 23 de agosto de 2016
Café na padaria
Estou
aqui tomando o meu café da manhã, o qual consiste em um pão na chapa e um café,
na padaria da esquina. Poderia até dizer que esse é o desjejum do paulistano.
Alguns se arriscam e pedem um pão de queijo.
Deixo
minha mente ir embora relembrando um verão quente que passei no interior
gaúcho, entre uma mordida e outro gole. Ao fim da tarde podia-se ver os
visitantes daquelas "terras estranhas" saírem com suas famílias em
direção às grandes praças, levando apenas algumas cadeiras de praia e é claro,
o velho e bom chimarrão.
Uma vida
tranquila: trabalho durante o dia e conversas jogadas fora no fim de tarde
debaixo de uma árvore. Uma coisa tão banal e pouco apreciada por aqui.
Coisa tão
distante... Então paro um pouco e desperto de meu devaneio. Olho para o copo e
o pão pela metade. O padeiro sai de dentro de seu lugar recluso, coloca outra
fornada de pães franceses na cesta e volta rapidamente para mais trabalho. Dois
senhores ao meu lado discutem sobre o jogo da noite passada, já tomando o café
preto saideira. O atendente do caixa
cobra cinco reais de pães de uma senhora de idade com olheiras fundas.
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Cenário pós-apocalíptico
Ares andava sobre as áridas terras de
um mundo destruído. Armado apenas de uma espada ensanguentada, com a qual já
havia tirado a vida de vários terríveis monstros e criaturas desde que vieram à
Terra.
O pânico foi geral e a destruição
ocorreu por conta de um portal aberto. Várias criaturas que antes habitavam
seus mundos de lendas e fantasia; renasceram em nosso. Foi o caos completo.
Ele estava acompanhado de uma mulher
que fora uma vez chamada de Chapeuzinho Vermelho. Mas isso foi há muito tempo
atrás. Ela cresceu. Tornou-se uma guerreira. E a única coisa que ela quer é se reencontrar
com o Lobo e segurar seu coração com as próprias mãos.
A situação em que o deus da guerra e
ela se encontraram foi de ajuda mútua.
De um lado a Hidra corria atrás dela,
do outro a deusa celta Carman, atrás da espada de Ares. Os dois acabaram
derrotando os dois e então formaram uma parceria.
Nesse novo mundo, os simples humanos
tentaram sobreviver, porém poucos conseguiram.
Os heróis tentam combater os monstros.
Alguns desses últimos tentam redenção. Mas é raro.
Eles conseguiram uma informação de que
o Lobo estaria aliado em uma resistência contra as criaturas marinhas, com
Poseidon como líder. Era um dos casos raros de redenção.
Mas ela não se importava com isso.
Os dois estavam a poucas horas de
caminhada do local.
“Irá concluir seu plano, guerreira?”
“Mas é claro que sim.”
“Mesmo sabendo que ele está do lado dos
heróis?”
“Heróis? Você se acha um herói, Ares?”
“Garota, em guerras não há heróis e
vilões, há apenas sangue e destruição. Eu tento fazer o meu melhor. Mas e você?”
“Não sei. Só sei que eu era apenas uma
garotinha inocente até ele aparecer.”
“Quer dizer que ele também...”
“Não, seu pervertido. Ele matou a minha
família.”
“Qual foi o motivo? Nunca me disse qual
foi o motivo de tal ação.”
“Ele é um psicopata. É isso.”
Ela bebeu um pouco de água. Entregou o
cantil para Ares.
Ele bebeu.
“Você foi bem gentil ontem à noite.”
Ares parou.
Ela olhou para ele.
“De nada?”
“Não, não é isso. É que você é o “deus
da guerra”. Pensei que seria mais...”
“Violento?”
“É... Talvez. Sei lá.”
“Eu guardo a violência para o combate.”
“Ok.”
Continuaram a andar.
“Quer que revejamos o plano?”,
perguntou Ares.
“Não, não precisa. Vamos bater em todos
os bares. Ele vai estar em algum.”
“Mas provavelmente estará no meio de
amigos.”
“É, isso é verdade. Então nesse momento
você entra em cena.”
“Eu?”
“Isso. Se eu tiver que atrair ele para
fora do bar ele pode me reconhecer.”
“Mas você não era apenas uma criança
naquela época?”
“Sim, mas... Bom, nunca se sabe.”
Silêncio.
“Obrigada, Ares.”
“Pelo que?”
“Por me ajudar.”
“Conheço a vingança. Na verdade é uma
velha conhecida. Só te digo uma coisa: Talvez não seja tão compensador quanto
espera.”
“Eu lido com isso quando chegar a hora.”
“E quando o grande momento chegar, você
quer que eu a ajude?”
“Não. Nem pense nisso. Você sai de
cena. Vai ser só eu e ele.”
“Tudo bem, então.”
domingo, 21 de agosto de 2016
Portuguesa x Juventude
Fui ao Canindé apoiar a Lusa e acabei vendo mais uma derrota, de virada, dentro de casa. Com o empate entre Mogi Mirim e Macaé, a Portuguesa volta para a zona de rebaixamento.
Foi isso aí:
O besouro
Hoje eu vi um besouro na grama. Ele era
verde e estava de pernas para cima. Estava chovendo. Eu estava sentado próximo
a ele, encarando o nada até que meus olhos pousaram nele e não consegui mais
desviar o olhar. Hipnotizado.
Mas é mentira. Na verdade eu o vi
ontem. Eu o vi de pernas pro ar no chão da varanda, se contorcendo todo,
querendo sair daquela posição e não conseguindo. Eu o chutei, foi instintivo.
Não pensei. Viu um besouro de pernas pro ar e o chutei. Mas foi só um totózinho, assim ele podia se desvirar
com a viagem não consentida.
O problema é que ele continuou do mesmo
jeito, só que na grama. Andei até ele e com meu tênis tentei o mais
delicadamente que pude colocar a ponta por baixo. Tentei duas vezes. Não
consegui desvirá-lo. Distraí-me com outra coisa e saí dali.
E agora o coitado estava ali. De pernas
pro ar. Sem se mexer. Um sentimento de culpa começou a se instaurar em mim. Eu
podia ter ajudado aquela pobre criatura. Não o fiz. Simplesmente o deixei ali,
em agonia. E agora estava morto. Ninguém ligava para ele. Ninguém. De novo,
coitado...
De repente minha barriga começou a
reclamar por comida. Tentei continuar ali, refletindo sobre a situação do
inseto, mas a fome era maior. Levantei-me e fui pra cozinha preparar alguma
coisa.
sábado, 20 de agosto de 2016
Amassados
“Amassados!
Cara, você não consegue desligar o botão de negócios, não é mesmo?”
“Pois é, parece que vem assim sabe...”,
os dois riem quando o segundo treme um pouco os ombros e faz uma careta demonstrando
o “assim sabe...”.
O primeiro ainda está trabalhando na
firma com outros sócios. O segundo se aposentou há uns seis meses e estava ali,
em uma galeria, expondo seu primeiro trabalho artístico aos 50 e poucos anos. Amassados era o título. Ele continuou:
“Na verdade eu comecei porque estava
entediado. Depois de duas semanas aposentado parecia que o dia demorava pra
passar. Não tinha nada pra fazer! Eu acordava. Tomava um café. Ia na banca,
comprava um jornal, passava na padaria, comia um pão na chapa, ficava um pouco
na praça lendo o jornal, olhava o relógio e nove horas da manhã! Pelo amor de
Deus, se continuasse assim eu ia me matar. Aí teve um dia que eu passei na
banca pra comprar o jornal e vi lá no alto: Aprenda
a desenhar. Comprei!”
“Simples assim?”
“É! Eu nunca pensei que eu ia desenhar
na minha vida. Quer dizer, todo mundo desenha na escolinha, mas depois aprende
a ler e noventa e nove por cento desiste.”
“Eu ainda não consigo te ver
desenhando...”
“Não, mas espera aí... Eu não consegui.
Quer dizer, olha pra isso aqui...”, ele aponta pra um dos desenhos expostos.
Ele põe a mão próxima à boca e fala baixinho: “Eu não pagaria nem um centavo
pra ter uns desenhos feios como esses na minha parede...”
“Ah, mas não estão tão ruins. Aquele da
casa até que tá legal.”
“É, ok, mas esse não é o ponto. O ponto
é que eu entrei numa papelaria, comprei um daqueles pacotes de folha de
sulfite, que nem aquelas que a gente tinha no escritório pra imprimir, só que
maior sabe... Bom, são essas aqui na galeria; uns lápis e borracha e voltei pra
casa. Abri o livro e comecei a praticar. Mas estavam ficando uma porcaria. Cada
desenho que ficava ruim eu amassava e jogava no chão mesmo. Fiz isso umas duas
semanas. Treinava todo santo dia. O problema era que a cada frustração eu
ficava mais irritado. Até que um dia eu falei: ‘Chega! Pronto! Já tô farto disso!’”
“Poxa...”
“É, mas olha só, depois de uns três
dias sem desenhar eu entrei no quarto onde estavam os papéis, parei e fiquei
olhando aquela montanha de papel e tive a ideia de fazer essa exposição. Falei
com uma conhecida que me indicou essa galeria e aqui estamos. Semana que vem eu
faço a minha primeira palestra.”
“Nossa, estou impressionado... Qual é o
nome?”
“A força das artes na vida do homem
contemporâneo. É só umas baboseiras sobre como nessa sociedade em que a
correria toma conta de nossas vidas nos sentimos amassados pelo sucesso ou a
falta dele. Entendeu? Bom, vai me manter a cabeça ocupada por mais um tempo. He, He...”
“Boa sorte cara, boa sorte...”
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
A jaqueta branca
Um homem sai do provador. Ele para.
Analisa a jaqueta branca que ele está agora usando. Dá um enorme sorriso com as
sobrancelhas e pergunta para a vendedora da loja:
“E então? O que você achou?”
A moça hesitou um pouco.
Arrependeu-se de ter feito isso. Já era
a sétima jaqueta. E todas as vezes que ela hesitava, o homem acabava por provar
outra.
“Hã... Sim, ficou ótima no senhor.”
“Ah, para com isso de me chamar de
senhor. Me chame de você. Fica menos formal, sabe? Você gostou mesmo? Parece
que não...”
“Ficou sim.”
Ela dá um sorriso para ajudar.
“Não, acho que você só falou isso pra
me agradar e eu ir embora rápido. Acho que você já tá de saco cheio de um velho que nem eu aqui te incomodando, não é
mesmo? É que eu estava precisando comprar umas roupas e eu estava me sentindo
meio sozinho e resolvi vir hoje mesmo. Eu estou assim desde que minha mulher se
divorciou de mim pra ir morar com um cara bem mais novo do que eu lá na Europa.
Cara boa pinta, sabe, cheio da grana. Mas fazer o que, né? Melhor do que ficar levando chifre. Ela me pediu o divorcio na
primeira vez que foi pra cama com ele. Tecnicamente eu levei chifre, mas foi
uma vez, não dá pra ver, né? Hê, Hê... Mas depois de um tempo eu
comecei a sair de novo, só que aí acabei descobrindo que a velhota era casada.
Dá pra acreditar? Que coisa! Só queria me usar. Uma lástima. Mas eu estou bem
sozinho, sabe. É claro, tive que aprender a fazer várias coisas de casa, porque
agora não dá pra pagar empregada, a ex me tirou quase tudo. Só cozinhar eu
ainda não aprendi. Faço café porque a cafeteira faz a maior parte do serviço.
Agora eu almoço no self-service lá da
esquina da minha casa. É barato pra caramba! Você já foi lá? É na rua Dom
Pedro, bem na esquina. Não? Ah, que pena. Mas você devia ir. O macarrão de lá é
fantástico. Ai, ai...”
A moça não sabia o que fazer. Não tinha palavras, depois daquela enxurrada de informações que acabara de receber. O homem voltou a olhar a jaqueta.
A moça não sabia o que fazer. Não tinha palavras, depois daquela enxurrada de informações que acabara de receber. O homem voltou a olhar a jaqueta.
“Humm...
Será que eu levo essa? O problema é que ela é branca. Suja muito? Mas é bem
bonita, não é verdade? Muito bonita...”
Ele parou para olhá-la mais uma vez.
Levantou os braços. Abaixou-os.
“Olha, até que é bem confortável. E é
de couro. Parece couro. Como será que eles fazem couro branco? Couro é preto,
não é?”
Agora ele estava esperando uma
resposta.
“Moça? Está me ouvindo?”
“Ah, desculpa, o que o senhor perguntou
mesmo?”
“O couro, como eles fazem o couro ficar
branco.”
“Ah, desculpa, eu não sei.”
“Humm...”
“Humm...”
Ele ficou pensativo. Foi até o espelho.
Olhou de um lado, do outro. Ficou de costas e virou o pescoço para ver...
“Até que combina com o meu sapato.”
“É...”, disse a vendedora fracamente.
“O que disse, querida?”
“Ah, eu disse que combina sim, com o
seu sapato.”
“É mesmo, né? E a camisa ficou boa também. Bom, acho que vou levar essas duas
mesmo.”
Então o homem entrou no provador para
tirar as peças. A moça esticou as costas de tanto ficar ali parada e disse para
si mesma:
“Até que enfim.”
“O que foi, querida?”
“Nada não, nada não...”
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