Giancarlo Berardi
Filhos do sol
Você entrou na minha vida de um jeito despretensioso. Nos
vimos numa loja de discos. Eu estava procurando algum LP de Big Bands. Você na
sessão de música clássica.
O jeito que você colocava o cabelo atrás da orelha de tempos em tempo.
Eu estava com o meu melhor terno. Rei. Eu era o rei do
lugar. Não tinha o dinheiro. A fama era limitada àquelas pessoas.
Ela havia saído levando a maior parte das suas coisas. Mas agora eu estava ali.
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John Contra é um cantor que está tentando se descobrir no mundo. Depois de uma primeira turnê que faz relativo sucesso, John tem que lidar com o novos problemas: fama, dinheiro, festas e como manter seus relacionamentos em meio a isso tudo.
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Desci da nave e vi que não tinha ninguém me esperando.
Meu casamento tinha acabado, mas minha carreira decolado.
Fui promovido e na próxima missão teria mais responsabilidades. Uma grana
preta. Seria um dos astronautas mais bem pagos da minha geração.
Para quem estava vendo de fora, não podia estar mais feliz.
E aí, cara, ouvi que a sua mulher te largou, disse um amigo meu.
Pois é, cheguei em casa e vi um envelope
com o divórcio. A casa com quase nada de mobília, sem decoração nem nada.
Caramba, se precisar estou aqui, cara.
Tudo bem, valeu. Tenho a próxima missão
para me preocupar.
Treinei, me preparei, dei o melhor de mim. Concentrado,
comovido, pronto para tudo o que viesse.
O novo planeta a ser explorado era Kropta.
A equipe estava sob minha liderança.
Caminhamos um pouco e logo um monstro de três braços matou
um dos meus.
Lutei contra ele. Seu sangue era azulado. O fiz sangrar.
Corremos para a nave, mas outro apareceu. Ela foi danificada
no decorrer da luta.
O astronauta perdido foi enterrado com honra.
Mandamos um sinal de resgate e tivemos que sobreviver por
mais três dias.
Minha ex me mandou uma mensagem de texto quando voltei. As
notícias da missão estavam em todos os lados.
Descobrimos a primeira forma de vida fora da Terra.
Voltaríamos mais preparados da próxima vez.
Conto e ilustração de Lucas Beça
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Um
Estou sentindo como se hoje fosse o último dia de alguma
coisa, sabe, como se tudo fosse mudar amanhã. O mundo fosse mudar, eu fosse
mudar, sei lá.
Dois
Estava pensando no último beijo que ela me deu. Foi tão bom na hora, não parecia que seria o último.
- Tô te
falando, cara, confia em mim. Você precisa de um começo foda. A pessoa vai
abrir o seu livro na livraria, vai ler o primeiro parágrafo e já vai levar. Na
verdade ela vai comprar o livro, ir direto pra casa, vai começar a ler e terminar
antes do jornal.
- Não
vai ter cópia física. Vai sair só em ebook.
- Ah,
mas não importa, não. Vai vender tanto que vão fazer capa dura, capa fininha, e
como é que chama aqueles com os desenhos e os balões...?
- Quadrinhos?
-
Isso, quadrinhos... É assim mesmo que eles chamam...? Bom, não importa. Vai
sair em quadrinho, quadradinho, redondinho... hahaha...
- Ah, se você tá falando... hahaha...
Me peguei pensando agora há pouco numa noite em que eu fui
no mercado.
Talvez não seja uma noite específica, mas várias
misturadas em que eu fiz praticamente as mesmas coisas em automático.
Depois de pagar, embalar as compras, dar mais uma olhada
na moça do caixa, coloquei as sacolas no bagageiro e entrei no carro.
Deixei a porta entreaberta. Liguei o rádio e estava tocando uma música de um show de uma banda velha e esquecível.
Depois de mais um dia de procura de trabalho, colocada a
roupa batida de dormir, ligou a TV e procurando alguma coisa no YouTube, deu
vontade de ouvir Johnny Cash.
Se deu conta de eu nunca havia visto um show completo dele
na vida. É claro que tinha visto a biografia com o Joaquim, vira várias
apresentações dele em videoclipes. Mas nunca um show inteiro.
Começou a ouvir música country quando era criança. Até que gostava do gênero no geral, tanto o americano quanto o sertanejo brasileiro raiz, mas não costumava ouvir muito. Exceto Johnny Cash. Folsom Prison Blues sabia de cor. American IV foi ouvido exaustivamente na adolescência.
Isso aqui
é... ah, sei lá. Vou só escrever aqui, tá?
Cheguei em
casa e me senti estranho. Como se algo fosse acontecer.
Tomei uma água, liguei a TV, para ver se
passava o medo. É, acho que o que eu estava sentindo era medo. Pelo menos
parecia ser.
Tranquei a porta. Vai que, né?
Dei uma mijada.
Nada de estranho. Tudo aparentemente normal.
Eu
estou cansado e com dores. Pareço um zumbi.
Dormi pouco, na verdade nem tão pouco, umas 7 horas. Mas não foi o suficiente. Depois do almoço, achei que essa caneca de café daria conta do recado, mas não deu.
- Mas então, e aí, o que
que era aquele barulho na tua caminhonete?
Bruno tomou um gole da
cerveja antes de responder.
- Humm, nem me fale. Adivinha o que que era?
- Não sei não.
- Step murcho. Aí ficava um vão no suporte e ficava batendo e fazendo aquele barulho quando passava em alguma coisa.
Bem, o
dia começou meio cinza para mim. Não sei. Parecia que ia ser um dia bom. Era
um... pressentimento, sabe. Eu estava errado.
Primeiro
bati o carro. Fiquei no prejuízo. Paguei o cara do outro carro pra discussão
ficar menor e mais barata. Fui direto pro mecânico.
E ele
falou, Caraio, cê deu quanto pro cara? Por uma raladinha dessa? Cê é louco.
Vai ve que eu sou mesmo, eu disse.
Ele
suspirou antes de começar a escrever.
Mas
apenas começou. Não sabia o que queria com aquilo. Não escrevia há meses. Não
sabia se conseguiria de novo.
Deletou tudo o que acabara de escrever. Não parecia ser bom o suficiente.
E eu existo nessas ruas. Olho para você, mas você não me vê.
Pouca gente me vê. Talvez me olhem de alguma forma quando compro algo, mas mesmo
assim, é muito pouco, muito rápido, muito sentimental, sei lá, parece que
ninguém se importa. O tempo passa e não sei o que fazer.
As coisas se amontoam e não consigo encontrar tempo o suficiente para fazê-las. E tudo bem. Ele vai passar. Não tem jeito. Algumas teclas do teclado do computador não funcionam direito e eu tenho que pressionar bem fundo para que a letra apareça na tela. Mas ele já tem quase dez anos, então não posso reclamar. Está lutando bravamente para permanecer ligado hoje em dia.
Eu tinha ido assistir uma palestra na biblioteca de São Paulo. No caminho, dentro do ônibus, fiquei pensando se chovia ou não. Se não chovesse eu iria ao Canindé. Era um sábado. A palestra às 11, o jogo às 3. Fazia uns 6 anos que eu não ia no estádio. A palestra era mais um bate-papo com o microfone pra platéia, e se eu não me engano era da Elvira Vigna. Não me lembro muito do bate-papo. Sei que não fiz nenhuma pergunta. Deve ter a gravação no YouTube, se tiver a paciência de procurar.
Eu
olhei para ele e ele falou
- Pô,
cara, você só pode tá de brincadeira comigo, né?
Mas eu
não tava.
- Cê tá
de zuera que cê não lembra de mim!
Eu não lembrava. Porra, para de me encher o saco, cara. Só tava querendo beber minha cerveja em paz.
7 foi o
número de vezes em que ele ganhou da roleta.
Durante 7 dias, antes de ir para a delegacia cumprir seu turno, ele botava uma bala no tambor, girava e disparava contra a mesinha de centro de sua sala de estar.
Era um dia para se lembrar. Seu aniversário.
Fazia tantos anos. Não queria se lembrar da quantidade. Não
queria festa. Bolo. Nada.
Levantou-se da cama e nada havia mudado.
O cara
entrou e pediu um cigarro solto.
-
Mataram o Hugo, disse.
Dei o
cigarro solto. Pagou.
- Mataram o Hugo, cara. Trinta tiro.
Bom dia, disse ele para seu pai.
Era 7 e 38 da manhã e acabara de sair
do banho. Estava frio. Era junho. Talvez o junho mais frio que ele presenciara
até então.
Estava colocando as meias. Depois colocaria os tênis, e então, com o cabelo meio úmido e já penteado, tomaria o café.
Certo. Então tem aqueles momentos em que você sente que
precisa escrever. A vida te subjuga, você tem trabalho, banho, janta, almoço,
idas ao banco, cartório, leitura, TV, álbuns, singles, discografias, dentes
para serem escovados, dentistas a serem consultados, chopps a serem bebidos com
amigos que você gostaria de ver toda semana mas suas agendas nunca batem;
enfim, você precisa escrever. É mais forte do que você.
Mas temos desculpas. Várias. Demais.
Apenas ouço a chuva que cai lá fora.
Desliguei todas as luzes. Uso meu celular como lanterna
para ler um livro de contos de um certo autor.
O silêncio domina.
Faz sua majestosa aparição em meio ao barulho de personagens marginais e o barulho da chuva.
Pois é, foi o que eu pensei. Ano novo, vida nova. É esse o lema, não é mesmo? Mas aí é que está. Voltamos sempre aos velhos hábitos.