Um
Ele
tinha marcado de se encontrar com a mulher na porta do prédio do seu
apartamento. Não sabia como ela era. Tinha perguntado a um amigo se ele não conhecia
alguém que estava precisando de uma televisão. Ele estava vendendo a sua.
O amigo
então lembrou-se de uma amiga que estava abrindo uma loja e precisava de uma.
Não
costumava acordar cedo. Mas esse era o único horário que ela poderia ir ver a
tal televisão.
Estava
com sono. Havia dormido pouco. Acordou no meio da noite com uma ambulância
passando a toda na rua e não conseguiu mais pegar no sono.
Tomou
mais uma caneca de café. Talvez fizesse efeito, pensou. Pegou um pedaço de pão
de forma quase duro, seco e passou margarina. Queria um café dos deuses. Com
bis, cereal de chocolate, presunto e queijo e tudo mais, mas não podia se dar
ao luxo. Era por isso que estava
vendendo a televisão. Precisava de dinheiro. Pagar umas dívidas, sair da forca.
E além
do mais, não assistia TV mesmo.
Levantou-se
da mesa, que ficava na sala, ao lado da janela e foi até o aparelho. Ligou-o.
Para ver se ainda estava funcionando. Estava. Apareceu uma rodovia. A voz de
uma repórter dizia algo sobre os números de mortes no período, que tinham
aumentado.
Desligou.
Pronto. Não ficaria com cara de bobo caso a TV não funcionasse.
Voltou
à janela. Debruçou-se. Viu uma mulher na sarjeta. Um homem passou por ela. Ela
pediu dinheiro. Ele fingiu que não era com ele. Parecia bêbada ou drogada. No
mínimo bêbada.
Atravessando
a rua, a uma outra mulher chamou sua atenção. Tinha um belo par de peitos, e
uma bela bunda também. Estava um pouco acima do peso, mas não era ruim.
Ela
desapareceu debaixo do toldo do portão do prédio.
O
interfone tocou.
Era
ela.
Dois
Helen
estava emburrada. Olhava para fora, na janela do ônibus. Mais um dia.
Mais um
dia perdido por um salário e meio que não dava pra mais nada.
Os
olhares dos homens para ela quando ela entrava no ônibus a aborrecida. O
barulho do ônibus. A senhorinha da esquina onde ela trabalhava havia lhe dito
que ela precisava sorrir mais. Isso a deixou mais puta ainda. Nada aliviava as
merdas do dia a dia. Não tinha ninguém em sua casa velha quando chegava.
Não
tinha mais amigos. E isso se deve a algo que ela fez no passado.
Sua
culpa. Que ela pagasse o que deveria pagar.
Desceu
do ônibus e passou pela senhorinha filha da puta. Esse seria seu último dia
trabalhando ali. Logo logo estaria com a sua loja, como sempre quis. Faria isso
nem que fosse dar errado. E não daria. Ela não iria deixar que isso
acontecesse.
Três
Ela
apertou o interfone.
- Oi,
é... Sou amiga do Rafael, ele falou que você tá vendendo uma TV...
- Sim,
sim. Pode subir.
Ele
ficou um pouquinho nervoso. Aquela mulher estaria em seu apartamento em alguns
segundos. E ele ali, com uma camisa velha, e moletom.
Deu
alguns socos no saco de pancada. Foda-se, pensou.
Ele
abriu a porta. Ela o cumprimentou. Viu que tinha um piercing no nariz.
- Você
é o Augusto, né?
- Isso,
isso. Disse, apertando a mão quente dela. Pode entrar.
- Brigada.
Ela deu
um risinho.
- Que
legal, você luta.
Ele não
entendeu se foi uma pergunta.
- Naah,
só brinco de vez em quando.
Ela
encostou a mão na lona. Deu um soquinho.
Ele viu
a bunda de perto. Era linda. Ela usava uma calça preta justa.
- Eu
também lutava. Mas sério.
- Ah...
Era só
o que conseguia pensar.
Ele
estava hipnotizado.
Ela se
virou. Ele desviou o olhar. Ela sorriu. Em um dos caninos estava outro
piercing.
- Ah,
é... Você quer alguma coisa, café, água...?
- Um cafezinho,
pode ser.
- Ok.
Augusto
deu alguns passos e já estava na cozinha. Pegou uma caneca do armário.
- Você
é a...
- Oi?
- Seu
nome?
- Ah, é
Helen. Desculpa.
- Sem
problema. Helen é um nome bonito.
- Sério?
Essa é a sua jogada?
Ele
ficou sem graça. Esqueceu onde ficava a cafeteira por alguns segundos.
- Não,
eu só...
- Relaxa.
Ela
sorriu e andou até a TV.
Ele
colocou café na caneca.
- Açúcar?
- A-hã.
Uma colher só.
Ele
ouviu a TV ligando.
Levou a
caneca até ela.
- Aqui.
- Brigada.
Ela
tomou um gole.
- Então
essa é a tal?
- Essa
mesmo.
Ficaram
olhando.
Era uma
TV de tubo, de 29 polegadas.
- Quanto
você tá pedindo?
- Quatrocentos.
-
Mesmo? Tudo isso?
Ele
olhou para ela.
- Quanto
você acha que vale?
Ele
sentou-se no sofá. Ela cruzou os braços, analisando a TV.
Helen
fez biquinho antes de falar.
- Ah,
sei lá, uns duzentos.
Ela tomou
mais um gole de café. Olhou para ele, que disse:
- Só
duzentos?
- Ah, é
uma velharia. Deve ter uns vinte anos.
- É,
mais ou menos.
Ela se
sentou no sofá. Olhou para Augusto.
- E
então, qual é a sua contraproposta?
Quatro
Augusto
estava mal. Tossia a cada cinco minutos. A garganta arranhava. O nariz
escorria. O corpo estava todo dolorido.
Um
amigo tinha vindo sábado à noite para assistir um filme e passou gripe para
ele.
Tinha
deitado na cama e se coberto. Na cabeceira um copo de água, para amenizar a
irritação da garganta. Não adiantava muito.
O
celular tocou. Mensagem.
Lentamente
ele pegou e desbloqueou o celular.
--Tudo
certo pra hj a noite?--
Era
Helen. Era pra ser o segundo encontro deles.
--Acho
que não vai dar. Tô meio mal. Gripe--
--Putz.
Que droga--
--Pois
eh--
Os três
pontinhos dela ficaram se movimentando por alguns segundos.
--Eu tô
indo ai--
Ele
escreveu que ela não precisava.
--Daqui
a pouco eu tô aí--
Ele se
rendeu.
---Tomou
alguma coisa?--
--Nao.---
Ele
pensou melhor.
--Vinho
conta?---
Embaixo
ele colocou um kkkkkkk.
--Seu
bobo--
Ele
esperou ela completar.
--Jaja
eu chego
Bjs--
Ele
colocou o celular sobre a cômoda novamente.
Agora
teria que sair da cama para atender a porta.
Cinco
Ele
pegou o dinheiro que Helen havia lhe dado pela televisão e desceu as escadas em
direção ao apartamento da síndica.
Bateu
na porta.
A
senhora abriu a porta e o olhou com cara de poucos amigos.
- Bom
dia, dona Teresa. Como vai a senhora?
Ela
levantou as sobrancelhas um pouco.
- Hummm.
- Bom,
bom, ele disse.
Entregou
o dinheiro a ela.
- Aqui.
O dinheiro do restante do aluguel.
Ela
pegou. Contou. Colocou na prateleira próxima a porta.
- E o
desse mês?
- Então,
tô providenciando.
- Hummm.
Ficaram
em silêncio durante um tempo. Ele desviou o olhar.
- Então...
Eu já vou indo, deixar você com os seus afazeres.
Ele ia
saindo. A velha ficou olhando ele.
Então
ele parou. Deu meia volta.
- A
senhora não.... Hã... Sabe de alguém que está precisando pra trabalhar não? Qualquer
coisa.
Ela
ficou pensando.
- Trabalha
bem?
- Opa,
claro.
Ela
olhou para o teto, como se procurasse alguma coisa.
- Eu
estou precisando de alguém para limpar os corredor. A mulher que limpava foi
visitar a mãe doente no norte e só vai voltar daqui a duas semanas. E precisa
pintar o corredor do térreo também.
- Claro,
claro, faço sim. Eu mesmo que pintei o apartamento quando eu entrei. Pode ficar
tranquila.
Ela
ficou encarando Augusto.
-
Hummm... Eu pago 80 pra mulher. Tá bom pra você?
- Tá
ótimo, dona Teresa.
- E 80 também
pela pintura.
Só 80
pela pintura?, pensou. Mas não podia recusar.
- Sim,
sim, pode comprar a tinta.
Ela
olhou para o teto novamente.
- Então
tá. Hoje eu compro a tinta. Quando chegar eu te aviso.
Augusto
saiu dali contente pra caralho por dentro. Mas não deixou transparecer. Era um
profissional.
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